
Ser útil, trabalhar, exercer uma profissão e através dela se autossustentar e sustentar sua família é o que dá sentido à vida adulta.
Eu aprendo muito com as experiências e, nesta última semana, vivi pelo menos três situações que se interligam e gostaria de compartilhar com você para reflexão.
Um dos homenageados do prêmio Embaixadores da 54ª Expofeira disse algo que me marcou profundamente. Elissandro Lopes de Araújo, reconhecido como um entusiasta da Educação Profissional, afirmou que ela é uma entrega de dignidade e identidade. Ele disse:
“O que nós fazemos nos define, e nós temos uma juventude que está esvaziada desse sentido. Me espanta o número de jovens no desalento que nem trabalham e nem estudam.”
Coincidentemente, hoje foi divulgada uma pesquisa preocupante: o Brasil é o quarto país com a maior proporção de jovens (de 18 a 24 anos) que não conseguiram continuar estudando e nem encontrar emprego. Os dados são do relatório Education at a Glance 2025, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Esse quadro ajuda a explicar o aumento da criminalidade, do uso de substâncias ilícitas, dos suicídios e da violência. Pessoas que saem da infância já com condições físicas e mentais de produzir, mas acabam mergulhando nessa estatística, não encontram sentido para viver. Seus dias tornam-se sem propósito, e aquela velha frase — “quem não trabalha dá trabalho” — se concretiza.
Um país que não estimula o trabalho e não fomenta a profissionalização — entendida como educação voltada ao exercício de uma função remunerada, e não apenas à conquista de um diploma — é um país que fracassa.
Nesta semana, também fui incluída em um grupo de WhatsApp de ex-alunos do seminário onde me formei em 1996. No ano que vem, completaremos 30 anos de formados e a ideia é nos reunirmos em São Luís, onde estudamos. Logo cada um começou a compartilhar onde morava, o que fazia, fotos das famílias. Percebi como é importante para nós, agora pais de jovens, apresentar quem nossos filhos são.
Um colega disse que a filha acabara de se formar em Medicina Veterinária. Isso bastou para que os demais começassem a “tietar” os filhos perante seus amigos da juventude — não pela beleza, mas pelo que escolheram ser na vida. Eu também falei, orgulhosa, das minhas filhas: uma já formada em Medicina, casada e residente em Ortopedia; a outra cursando Pedagogia.
Na prática, senti o que Elissandro havia dito: o que fazemos dá sentido à vida — e até o que nossos filhos fazem dá sentido à nossa. É a continuidade do propósito de estarmos aqui: servir ao outro com aquilo que aprendemos, sustentando-nos dignamente.
O trabalho não foi invenção humana, foi invenção de Deus. E não é castigo. Ainda no Éden, antes da queda, Ele deu a Adão a missão de jardineiro, de administrador de tudo. Não se tratava de balançar em uma rede, mas de cumprir um propósito. Após a queda, o que mudou foi que essas tarefas custariam mais suor, exigindo maior esforço ao arar terra. Mas o trabalho já era missão antes do pecado.
Esse orgulho e essa necessidade de dizer quem nossos filhos se tornaram profissionalmente — ou ainda estão se tornando — não é apenas vaidade, é da nossa natureza. É natural querermos afirmar que criamos pessoas responsáveis, estudiosas, capazes de seguir suas vidas sem nós: ensinando, cuidando, administrando… não importa. O essencial é que encontraram formas de serem produtivos e autônomos. Esse é o curso natural da vida.
A terceira experiência que tive parece antagônica, mas reflete a falta de estrutura para que quem estudou possa retornar à sociedade em forma de serviço — e, a partir dele, sustentar-se.
As universidades deveriam cumprir esse papel. Nem todos precisavam estar nelas para produzir. Muitos que hoje estão aposentados tiveram bons salários graças a um curso profissionalizante. O vestibular não era excludente: selecionava não apenas quem queria, mas quem tinha condições intelectuais de se aprofundar, especializar-se e, depois, retribuir à sociedade o investimento público que recebeu.
Não quero me deter na qualidade do ensino, nas cotas ou no fato de termos hoje analfabetos funcionais com doutorado. Quero refletir sobre a completa insignificância que, em muitos casos, um diploma universitário passou a ter. Algo que, no passado, valia tanto.
Recentemente, fui fazer uma matéria próxima ao lixão do KM 15, onde funciona uma casa de farinha. O projeto, além de econômico, tem cunho social: garantir farinha para o consumo dos povos indígenas e também como fonte de renda. A responsável pelo projeto me contou que algumas pessoas que trabalhavam no lixão faziam diárias ali para descascar mandioca. Ela só não contratava mais porque não tinha recursos para pagar.
No local, tentei conversar com duas mulheres que trabalhavam no lixão. Uma delas me disse:
— “Aqui é muito melhor. Lá é no sol quente, aqui temos sombra.”
Fiquei próxima e ouvi quando ela completou:
— “Eu sou formada em Pedagogia, mas não consigo emprego. Só consegue quem tem alguém lá dentro.”
Fiquei triste e respondi que não deveria ser assim. Um país não pode formar pessoas em massa sem ter como absorvê-las no mercado. A oportunidade deveria existir para todos, não apenas para quem tem “um padrinho”.
Aquela cena me chocou. Eu estava diante de uma pedagoga sobrevivendo do lixão e fazendo diária de descascadora de mandioca. Não há demérito algum no trabalho braçal. Mas ela não estudou anos a fio para disputar vaga como catadora de lixo.
Essa jovem é retrato do que não deu certo, mesmo para quem buscou se preparar. Provavelmente, cursou faculdade particular com apoio do Fies ou do Prouni. Nossos impostos financiaram sua formação. E, mesmo assim, sem oportunidade, ela não consegue exercer sua profissão. Ainda assim, dignamente, encontra algum sentido ao se manter ocupada todos os dias para colocar comida na mesa.
Mas o que dizer dos nem-nem? Aqueles que nem estudam nem trabalham, que vivem às custas de alguém — pais, familiares ou até mesmo do Estado, por meio de benefícios sociais que, em vez de resolver os problemas, apenas os cronificam?
Há um ditado que diz: “mente vazia é oficina de Satanás”. Será que, com a decadência moral, a desestrutura familiar e as políticas públicas fracassadas, não estamos transformando o Brasil em uma imensa oficina, com uma multidão de vidas em idade produtiva, mas completamente sem sentido?
Há algo de muito errado que não está certo. Sem direção clara, sem incentivo e sem oportunidade, o que vemos é uma juventude sendo cooptada pelo crime, onde encontra, ainda que de forma distorcida, um sentido para a vida — baseado justamente na completa falta de valor pela própria existência e pela do outro.
Adriana Garcia
Jornalista na Amazônia
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