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O metro quadrado mais nobre para hotelaria se transforma em Hub de startups cuja obra está atrasada. 

O Macapá Hotel segue inutilizado. O que deveria ser uma obra de revitalização e entrega no primeiro semestre deste ano, transformou-se em mais um item na coleção das incontáveis obras inacabadas do atual governo estadual — e, para completar, virou “hub de startup” em um prédio que deveria estar hospedando turistas.

A ascensão do turismo e o contraste com o abandono

Em 2024, graças às inúmeras obras entregues pela Prefeitura de Macapá — especialmente monumentos e espaços de valor histórico e turístico —, e à significativa melhoria no trânsito, iluminação, pavimentação e segurança pública, o Ministério do Turismo elevou Macapá à categoria A, reconhecendo-a como um dos destinos mais buscados do Brasil.

Com esse crescimento, a rede hoteleira tornou-se insuficiente, incapaz de atender à nova demanda de visitantes. Nesse contexto, o Macapá Hotel que deveria ser reformado, ampliado e convertido em fonte de renda, e não em símbolo do desperdício e da omissão pública, segue com atraso na obra que mudará sua finalidade.

Um projeto descolado da vocação do Estado

A atual gestão optou por ocupar uma área nobre e estratégica — de frente para o Rio Amazonas — com um projeto que nada tem a ver com turismo. Um hub de startups poderia ser construído em qualquer outro ponto da cidade.
Trata-se, portanto, de um duplo desperdício: de recursos públicos e de potencial econômico. É mais uma decisão desconectada de uma visão estratégica de futuro, que ignora a vocação natural e turística do Amapá.

Mas o descaso com o Macapá Hotel não começou agora. É um caso emblemático de má gestão e desrespeito histórico com o patrimônio público.

hotel macapa

Hotel está localizado em frente ao Trapiche Eliézer Levi, aos Quiosques da Beira Rio e à Praça Jacy Barata. 

Um hotel que marcou época

Fundado como Grande Hotel de Macapá, foi construído em 1945 pelo primeiro governador do então Território Federal do Amapá, Janary Nunes.
Sua imponente estrutura de alvenaria, com dois pavimentos, destacava-se entre as choupanas de madeira da Rua da Praia. O empreendimento inaugurou o setor hoteleiro do estado, recebendo visitantes e funcionários que chegavam à nova unidade da federação.

Nos anos 1970, o hotel foi arrendado pelo empresário Genésio Antônio de Castro, que o modernizou e o transformou no Macapá Hotel. Ali funcionava o que havia de mais sofisticado para a época: milk shake, sanduíche misto-quente — iguarias então exclusivas das lanchonetes da ICOMI —, além de uma boate disputadíssima.
O local tornou-se o coração social da cidade, palco de bailes de debutantes, formaturas, carnavais e eventos de negócios. Recebeu nomes importantes da política e da cultura, entre eles Roberto Carlos, Castelo Branco, José Sarney, João Figueiredo, Fernando Collor e Lula da Silva.

Definitivamente, o Macapá Hotel marcou gerações e se tornou símbolo de uma época de glamour, hospitalidade e progresso.

hotel rio

Marcou gerações e era o centro de eventos e encontros da alta sociedade da época. No seu auge, recebeu três estrelas da Embratur.

Demolição, reconstrução e decadência

Na década de 1980, o ex-governador Annibal Barcellos demoliu o prédio original e construiu uma nova estrutura, administrada pela Rede Novotel, do grupo Accor.
Renomeado Novotel Macapá, o hotel chegou a receber três estrelas da Embratur, sendo o único da região com quadra de tênis e um restaurante de padrão internacional.
Era ponto de encontro de artistas locais e turistas que buscavam conforto e uma vista privilegiada do Rio Amazonas, a poucos metros do trapiche Eliezer Levy e da Fortaleza de São José.

Porém, em 1990, o contrato com a Accor não foi renovado, e o prédio passou às mãos de um grupo local sem experiência no setor turístico.

No auge, a estrutura do Macapá Hotel era de 100 apartamentos, sendo parte deles suítes de luxo. A capacidade total aproximada era entre 180 e 200 hóspedes. Havia Salão de eventos e auditório com capacidade para cerca de 250 pessoas,  restaurante panorâmico com vista para o Rio Amazonas, piscina, bar, estacionamento e área de lazer, recepção 24h e estrutura de serviços executivos (muito usada por autoridades, turistas e empresários nos anos 1980 e 1990).

hotel novotel

Quase duas décadas se deteriorando e arrendado para empresa dos irmãos de Alcolumbre, o Estado levou calote e o bem só foi retomado via judicial.

O arrendamento que virou escândalo

Em agosto de 1998, a empresa Matecons Ltda arrendou o Macapá Hotel do governo estadual por dez anos, com aluguel mensal de R$ 22 mil.
O contrato, no entanto, nunca foi cumprido. A empresa, cujos sócios são André e Alberto (Beto) Alcolumbre, irmãos do senador Davi Alcolumbre, nunca pagou o aluguel ao Estado.

Além disso, após o término do contrato em 2008, a Matecons continuou explorando o imóvel ilegalmente, sem renovação contratual nem pagamento.
Em 2011, a empresa ainda sublocou o prédio para a C.F. de Queiroz Ltda ME, sem autorização do governo, permitindo a instalação de churrascarias, estacionamento cobrado, pastelaria, parque de diversões e até campo de futebol society.
O espaço público virou, literalmente, “a casa da mãe Joana”, com prejuízo direto ao erário, nenhum benefício para o turismo local e vantagem mesmo, só quem teve foi a empresa privada que locou, sublocou ilegalmente e não pagou. 

Somente em 2019, após ação movida pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), o imóvel foi retomado.
As empresas foram condenadas a pagar mais de R$ 2,1 milhões em aluguéis atrasados e indenizações — valores que, até hoje, não há indícios de terem sido repassados aos cofres públicos.

De volta ao ponto zero

Com a reintegração, o governo estadual teve a chance de recontar a história do Macapá Hotel, devolvendo-lhe sua vocação natural: o turismo.
Mas, em vez disso, o prédio foi destinado à instalação de um hub de startups, projeto que poderia estar em qualquer outro lugar — e que nem sequer foi entregue.

O resultado?
Nem hotel, nem startup. Apenas tapumes, promessas e uma obra sem fim.

Enquanto isso, Macapá vive um boom turístico e sofre com falta de hospedagem.
Um hotel com aquela localização — de frente para o rio, próximo aos principais atrativos — seria hoje uma mina de ouro para o turismo local.

hotel novo

Por vários anos, o patrimônio público virou "a casa da mãe Joana" e a população ficou no prejuízo.

Uma decisão que revela descrédito e despreparo

Transformar um hotel histórico em centro de inovação é um atestado de incompetência administrativa.
Um hub pode ser construído em qualquer bairro, mas um hotel com história e vista para o Amazonas só existe um.
A falta de estratégia, somada à politicagem e à proteção de sobrenomes poderosos, transformou um patrimônio turístico em um monumento ao descaso.

Hoje, o Macapá Hotel é metade ruína, metade obra inconclusa — um espaço que deixa de ser o que foi e nunca se torna o que prometem que será.

hotel mcp

O hotel era considerado um dos mais modernos da região Norte no período de sua inauguração.

Um patrimônio enterrado pela má gestão

Esse caso resume o que acontece quando riquezas públicas caem nas mãos de gestões descompromissadas.
O Macapá Hotel — ou Grande Hotel, ou Novotel, ou Hotel Macapá como já foi chamado — merecia estar nas mãos de quem acredita no Amapá e no seu potencial turístico, e não de quem o usa como palco de negócios e vaidades políticas.

Enquanto isso, o povo perde:

  • perde recursos, com o calote de quem explorou o imóvel por quase duas décadas;
  • perde oportunidades de hospedagem e geração de empregos;
  • e perde, acima de tudo, a chance de valorizar uma história que poderia estar sendo contada com orgulho.

Mas o que esperar de um governo que investe no carnaval do Rio de Janeiro em vez de investir no seu próprio?
A lista de inversões de prioridade é longa.
Por hoje, basta registrar o enterro de uma história que tinha tudo para dar certo, se estivesse sendo escrita por quem realmente ama o Amapá.

Adriana Garcia

Jornalista na Amazônia

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