
Professores não podem ser acusados de culpados por atrasos nos salários do município. Foto: Rede Social Escola Beija-flor
A pedagoga Meliza Dias, nascida e residente no município de Serra do Navio-AP, atua na educação local desde 1999 e ficou indignada com a maneira como tem sido conduzido o caso dos professores, especialmente após ver seu nome incluído na lista dos supostos “supersalários”.
Ela procurou a redação do site Conservador News para restabelecer a verdade, dar voz aos professores e, de alguma forma, fazer com que se sintam, pelo menos, ouvidos.
“Estamos sendo apontados como culpados pela crise do município”
“Nós estamos tentando nos defender nas próprias publicações, através dos comentários, e responder aos que vêm em nosso privado para nos ofender. Não aguentamos mais sermos apontados como culpados pela situação fiscal do município. Nenhum professor ganha 20 mil aqui. O máximo, para alguns, chega a 17 mil bruto — e merecido, pois existe o plano de cargos e salários. Nós nos preparamos, estudamos, nos especializamos e temos tempo de magistério para que chegue a esse valor.
Estamos amparados por leis aprovadas. Não há qualquer ilegalidade nisso. Além de que, muitos de nós nos deslocamos para áreas rurais, onde quatro das cinco escolas do município estão localizadas, e parte do material que usamos para melhorar o processo de ensino-aprendizagem também sai do nosso bolso.”
Reunião com o TCE e decisão que gerou revolta
Uma reunião realizada em 2 de outubro, em Serra do Navio, com a presença da prefeita, vereadores, conselheiros e auditores do Tribunal de Contas do Estado do Amapá (TCE-AP) ficou decidido que deveria acontecer o "abate-teto" nos rendimentos dos professores.
Na ocasião, ficou determinado em ata que os professores deveriam passar a receber, no máximo, o valor do salário da prefeita. A justificativa seria o desequilíbrio da folha de pagamento, atribuído aos altos salários pagos ao magistério.
Para Meliza — que já atuou durante anos na Secretaria Municipal de Educação —, o chamado “abate-teto” não deveria ser a primeira ação, e sim a última. Segundo ela, o problema real está na má administração e nos inúmeros contratos administrativos, inclusive de pessoas que nem residem no município.
“Deveria ser feito um levantamento individualizado, verificando os professores que poderiam se aposentar, analisando caso a caso, inclusive o desempenho desses profissionais. Nada justifica uma atitude drástica que traz perdas irreparáveis para esses servidores”, declarou.
“Agora todos vão ganhar o mesmo salário nivelando por baixo? Isso é justo?”
Meliza questiona os efeitos da decisão sobre o plano de cargos e salários e as progressões funcionais conquistadas ao longo dos anos.
“Como fica agora a nossa progressão, o plano de cargos e salários? Como ficam os benefícios que cada servidor alcançou por seu esforço e tempo de serviço? Agora todos vão ganhar a mesma coisa?
Todos que têm graduação e até pós-graduação ficarão com o mesmo salário? Isso é justo? Quem tem 20 anos de magistério vai ganhar o mesmo que quem tem 9 anos?
Não podemos pagar essa conta. Não podemos ser penalizados por ganharmos mais do que a prefeita. Nós estávamos sob uma lei.”
“Não recebemos supersalários. Somos superprofissionais.”
Além de pedagoga, Meliza é escritora e já publicou três artigos sobre a educação em Serra do Navio — tema central de sua carreira. Ela lamenta que a classe da educação esteja sendo apagada dessa forma.
“Os professores estudaram para chegar até essas classes com muito custo, pagando dos seus salários para se aperfeiçoar e melhor atender aos estudantes.
Os professores daqui são muito competentes. Eu sempre digo a eles que tiro o chapéu. Só vendo como são caprichosos no trabalho. Nós não recebemos supersalários. Mas nós somos superprofissionais”, afirmou.

Os desafios são enormes. Das 5 escolas municipais, 4 estão na zona rural. Professores de carreira merecem respeito.
Salários parcelados e perdas acumuladas
Meliza relatou ainda que, além da redução salarial imposta daqui pra frente, os professores estão enfrentando parcelamento de salários, atraso de férias e ausência de atualização das progressões.
“Eu recebo como Pb-12, mas sou Pb-16. Já estamos sendo prejudicados de várias formas e agora querem nivelar todo mundo com 9 mil bruto, ficando menos de 7 mil líquido.
Olha o tamanho dessa perda salarial. Essa é a primeira opção que a administração encontrou para resolver as questões fiscais? Sacrificar o professor?”
Repercussão da matéria sobre “supersalários”
O outro episódio que causou revolta foi a publicação no portal Seles Nafes, em 11 de outubro, com o título:
“TCE determina fim dos supersalários em Serra do Navio.”
Segundo a reportagem, professores recebem até 20 mil reais mensais, o que Meliza refuta categoricamente.
“Essa publicação fez as pessoas começarem a nos culpar pelos salários da prefeitura estarem atrasados e começarem a nos ofender.
Nós não cometemos nenhum abuso, e os valores que recebemos estão de acordo com o que regem as leis.
É muito injusto e humilhante viver esse momento, presenciar nossos direitos indo pelo ralo e sermos condenados a receber um limite máximo. Onde há justiça? A quem recorrer? Quem vai reparar os danos que os professores de Serra do Navio estão sofrendo — tanto com a decisão abrupta quanto com essa exposição midiática?”
“Agora teremos que justificar nossos salários?”
A pedagoga lamenta o julgamento público ao qual os profissionais estão sendo submetidos.
“As pessoas que nada sabem sobre nosso trabalho vão julgar que ganhamos muito?
Será que é só hipocrisia quando a sociedade diz que professor merece ganhar bem? Quando, no fim de carreira, alguns, por mérito, conseguem ganhar um pouco mais, sofrem esse tipo de julgamento? Lamentável tudo isso!
Estamos sem poder nos defender. As pessoas nos ofendem e temos que explicar.
Na reunião em que decidiram, não havia representante dos professores.
Várias informações estão equivocadas.”
Meliza ainda apontou erros nos dados oficiais:
“Eu sei quantos alunos há em cada escola daqui. Eles pedem para tirar os 20 alunos da Escola municipal de Pedra Preta, que é uma escola considerada do campo e ainda por cima é agora uma Escola em Tempo Integral e querem levá-los para uma escola na Vila. Só que não são 20 alunos, são 43 e, pela lei, eles devem estudar na escola mais próxima de suas casas".
Nota do SINSEPEAP em solidariedade
Dois dias após a publicação, o SINSEPEAP emitiu nota de solidariedade aos professores, criticando o tom pejorativo da matéria.
“É impreciso e injusto tratar tais remunerações como ‘supersalários’, pois se referem a vínculos legítimos de servidores que dedicaram décadas ao magistério público”, diz o documento.
Entenda o plano de cargos e salários
Meliza explicou como funciona o plano de cargos e salários do magistério municipal:
Professor:
- A: Magistério
- B: Graduação na área de atuação na Educação Básica
- C: Pós-graduação na área de atuação na Educação Básica
Pedagogo:
- Pb: Pedagogo da Educação Básica com magistério e graduação na área de atendimento
- Pb + número: Anos de atuação
- Pc: Pós-graduação em nível de mestrado

Tabela de rendimentos legais dos 27 professores. Ninguém recebe 20 mil reais e o cálculo baseia-se no plano de carreira.
Os números reais
Segundo planilha obtida pela reportagem, apenas 5 dos 27 professores recebem na faixa de R$ 17 mil bruto, e 14 deles recebem menos de R$ 14 mil bruto, o que desmente a narrativa dos “supersalários”.
Os professores de Serra do Navio pedem respeito, transparência nas decisões e o fim da exposição injusta que tem lhes causado prejuízos morais, emocionais e financeiros.
Adriana Garcia
Jornalista na Amazônia
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