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 amaparque
Enquanto a floresta está de pé, os humanos estão no meio do esgoto e do lixo

Esses dias, eu me deparei com duas matérias, no mínimo, intrigantes. A primeira delas foi sobre um protocolo de intenções assinado entre o Governo do Estado do Amapá e ANATER (Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural). Para o Amapá, deverão ser destinados 8 milhões de reais a serem distribuídos para famílias em situação de vulnerabilidade. Alguns objetivos dessa intenção listados na matéria, são: promover a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável e erradicar a pobreza.

Aí, comecei a pensar: "Como se erradica a pobreza com uma bolsa de 600 reais a cada trimestre? 200 reais por mês garante o desenvolvimento sustentável"? Em troca, as comunidades beneficiadas que vivem em áreas de proteção ambiental deverão se comprometer em aplicar práticas produtivas sustentáveis.

Então eu comecei a refletir sobre nível educacional e intelectual dessas pessoas, muitas delas nem devem ser alfabetizadas e outras, devem ser analfabetas funcionais, e têm que aprender a produzir e, ao mesmo tempo, garantir a conservação e a preservação da floresta. Na minha opinião, uma covardia sem tamanho. Imputar uma responsabilidade para um povo que nem mesmo consegue proteger a si mesmo, que passa necessidades diárias, que cada parte do seu corpo precisa de cuidados e não tem. E tudo isso, por míseros 200 reais mensais? É sério que esse povo ficará menos vulnerável com essa bolsa verde?

Bom, o montante do repasse do Governo Federal será de 60 milhões de reais. Alguém deve estar achando muito bom! Mas duvido que sejam o moradores das comunidades que não têm acesso à cidadania e terão que continuar famintos para manter a floresta "muito bem, obrigada". A renovação da mendicância, em nome de uma "erradicação da pobreza" e de um "desenvolvimento sustentável" com o compromisso em preservar o meio ambiente, parece que será atualizada com sucesso, se essa "intenção" se confirmar. 


Mas o quadro de incoerências não para por aí. Acho que levaram tão a sério o que o Senador Lucas Barreto falou sobre o povo do Amapá na pobreza, contemplando a natureza, que agora o GEA chegou chegando, com a criação da maior Unidade de Conservação Urbana do mundo - AMAPARQUE. A obra receberá 30 milhões de dólares do Banco de Desenvolvimento para América Latina e Caribe. O projeto foi apresentado na COP 27 no Egito e aprovado na COP da Biodiversidade, em 2024, na Colômbia.


Numa área equivalente à Lituânia, o projeto visa recuperar áreas de ressaca de Macapá e Santana, oferecer apreciação do meio ambiente e práticas esportivas. Agora pronto! A pobreza contemplando a natureza subiu de nível. Tem até dólar para investir num local especial para essa contemplação. Genial! Terá até ecomuseu, mirantes, lanchonetes temáticas e parece que não vai demorar. Olha só, que eficiência?


Na matéria, foi dito que 660 mil pessoas moram em Macapá e Santana. Ou seja, quase a população toda do Estado que é de 802 mil habitantes. E que essa população será a maior beneficiada. Sim, essa mesma população que somente 6% dela tem acesso a saneamento básico. Não reclam!. Até pouco tempo, eram apenas 4%.

Hum, e sobre esse projeto que tem aporte internacional, a área também parece não ser mais nossa desde 1996, quando FHC incorporou plenamente ao arcabouço legal do Brasil o tratado de Ramsar de 1971 e que entrou em vigor em 1975. Ah, danadinho! Olha você de novo. O mesmo Presidente que entregou o Parque do Tumucumaque,em 2002.  Como diz o Kim Paim, o Brasil é o país das "coincidências". Olha, não sei não. Daqui a pouco, até o nosso quintal é internacional. E parece que alguns vão achar chique ao invés de enxergarem a tomada de tudo que é nosso. 

Quem se importa? A falta de perspectiva está levando para longe famílias inteiras. Quanto menos somos, menos resistência fazemos. Como fazer resistência com uma bolsa verde e passando fome? Talvez, dê só para comtemplar no Amaparque mesmo, sem emprego, sem renda, respirando um ar puro. Eita que estou misturando as histórias.

Mas eu queria mesmo saber é quando a COP, as ONG's, a ONU, a Unesco, e toda essa parafernalha, que já se apossou de boa parte do nosso território nos proibindo de explorá-lo e usufruí-lo em nosso benefício, irá falar  e fazer investimentos em saneamento básico. Quando irá se importar com os 94% de habitantes do Amapá sem acesso a esgoto tratado. Será que iremos tombar com as doenças básicas que matam todos os dias quem aqui vive, enquanto a floresta está de pé e temos um lindo parque para contemplar um horizonte sombrio de um povo sem dignidade e sem cidadania plena? Será que vão continuar ignorando essas discrepâncias entre nossas riquezas e belezas naturais e nossa miséria econômica e nossa vergonha social?

Até quando vão chamar o povo que aqui vive de idiota com esses projetos ecologicamente corretos com uma população que vive em cima de esgoto a céu aberto? Até quando vão se importar com a biodiversidade sem olhar para a humanidade? Até quando continuarão fingindo proteger o meio ambiente quando nada fazem sobre o tratamento do lixo urbano e quando falta água nas torneiras? Até quando serão covardes com as comunidades isoladas, dando-lhes migalhas e imputando a elas culpa quando tentam lutar para seu desenvolvimento social e econômico. Até quando iremos nos acostumar a termos roubados a nossa terra,  as nossas riquezas e nosso futuro?

Adriana Garcia

Jornalista na Amazônia

CONTRIBUA QRCODE ADRIANA

 

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