cnews 2506 banner 500x100px
cnews 2506 banner 500x100px

 lula
"Como você é uma senhora de 50 anos, já não tem vergonha, abre a boca, fala, não tem vergonha" disse Lula, em evento

A presença do Presidente Lula em Macapá, como em todo lugar que ele vai, só fez colecionar mais memes que, para o sofrido povo brasileiro, fazem rir quando temos motivos de sobra para chorar. Eu estive lá, e vou lhe contar o que vi e ouvi. Como diz a Bárbara do "Te Atualizei": "Fica confortável, Cláudia". Respira fundo e, se no final da leitura você entendeu, sinta-se muito privilegiado(a), pois você faz parte de uma minoria pensante que tem a capacidade de reflexão,  e a sua alma é livre, num país que proíbe o pensamento contrário ao  que o establichment impõe. 

Eu cheguei cedo ao local onde estava prevista a presença da Comitiva Presidencial. Apesar de ter ido como jornalista, eu não pretendia, e nem planejei, entrar. Meu foco era registrar a manifestação do Movimento "Petróleo no Amapá Já" que estaria nas mediações de onde aconteceria o evento.

Ainda nem era 9h da manhã e as pessoas, com as respectivas pulseiras, estavam fazendo fila para entrar. Eu encontrei uma amiga e comecei a conversar sobre as riquezas do Amapá e como vivemos na miséria. Em um dado momento, falei do nosso "Rio Mar". Disse que temos a maior reserva de água doce do planeta e, no entanto, falta água em nossas torneiras. De repente, uma humilde jovem que estava ouvindo a conversa, sem perceber que iria se denunciar como alguém que interrompe um diálogo do qual não foi chamada a participar, ela concorda comigo e fala: "É mesmo. Era para vir mais gente hoje para cá. O pessoal só não veio porque não tinha água. Para eu vir, tive que tomar banho na casa da vizinha. Meu marido queria muito vir, mas não tinha como ele tomar banho".Só essa frase, daria um artigo independente.

Eu pensei: "Como pode, essas pessoas sofrerem tanto por causa da omissão, inércia e má administração do poder público e ainda assim, ficarem "doidas para prestigiar, para aplaudir" os responsáveis pela sua falta de água"? A deficiência educacional e a limitação cognitiva não permitem que a pessoa faça uma correlação entre a sua torneira sem água e o poder público. Ela não entende que água potável é um direito. Ela pensa que é um presente e, mesmo não recebendo, ela está ali na fila para prestigiar quem lhe nega o mínimo de dignidade. 

 faixa

Uma das dezenas de faixas espalhadas no entorno do evento agradecendo Senadores, Governador e o Presidente Lula

Vi também vários banners colocados nas cercas de madeira, algumas delas caindo aos pedaços. Em seu conteúdo, palavras de  elegio e agradecimento aos Senadores Radolfe Rodrigues e Davi Alcolumbre, ao Governador Clécio Luís e ao Presidente Lula. Eram faixas bonitas e coloridas. Duvido que foram confeccionadas por coleta do próprio povo que mora na parte de dentro da cerca, que não tem nem o que colocar em sua mesa. Eram muitas propagandas por todos os lados. Para mim, quanto pior o governo, mais ele investe no marketing. E, de imagem, o evento parecia impecável. 

Vi alguns ônibus e pessoas quase que uniformizadas saindo de dentro deles. Todas de crachás. O semblante da maioria não era de alegria. Era de quem estava ali naquela fila por obrigação, fazia parte da tarefa de um dia diferente de trabalho. Mas vi uma jovem morena bem animada com um vestido colorido. Eu já a  tinha avistado dias antes, num vídeo da caminhada do Senador Randolfe que ele publicou em suas redes.  Ela chegou cedo, falou com alguém que controlava a entrada dizendo que ela deveria entrar, pois iria participar. Ela era importante no evento. Eu pensei logo: "Essa é uma das selecionadas para subir ao palco e fazer o teatro". Dito e feito. Vi, nas redes sociais, a artista que tinha que ter prioridade para não ficar na fila. Entendi, claramente, que todos os cidadãos comuns que iriam pegar o microfone e fazer parte da foto, eram escolhidos a dedo. Nada era natural, nem espontâneo. Tudo era ensaiado.

Mas os organizadores não imaginavam que quem estragaria tudo seria o ator principal, o dono da festa. Aquele que falaria de ovo de ema, ovo de jabuti, chamaria o feminino de jabuti de jabutia, e diria, por fim, que ia colocar açaí dentro do ovo de ema para ver se ficava bom. Era até crueldade falar em comida para quem deveria estar faminto, após uma manhã inteira esperando. E a insensatez não para por aí. O aguardado presidente chamou a selecionada e controlada "multidão"  de cabeça de ovo de ema, e humilhou uma senhora com mais de 50 anos que não tem vergonha de mostrar seu sorriso sem dente. Não tem marketing que dê jeito!

Porém, tudo isso foi com aplausos das lideranças políticas locais que estão há, pelo menos, 30 anos no poder. Talvez, isso explique a miséria e a falta de perspectiva que o povo daqui vive. Os "intelectuais" aplaudindo um analfabeto que mente e desrespeita as pessoas com a mesma frequência com que respira, parecem ter a mesma ausência de cognição da jovem que não tem água na torneira, mas não poderia deixar de ver seu ídolo. 

Bom, mas eu estava lá para cobrir algo que aconteceria do lado de fora. Deixemos o espetáculo midiático de mau gosto para a grande imprensa repercutir. Eu encontrei as pessoas do movimento do petróleo com seus pequenos banners e, próximo a um carro com caixa de som, onde poderíamos falar ao microfone. Eram bem poucos. Nem chegava a dez pessoas.

De repente, vi uma faixa enorme com uma frase impossível de não ser notada: O PETRÓLEO É NOSSO.  Quem seriam aquelas pessoas? Eu me aproximei, como uma jornalista empolgada, e me deparei com um rapaz vestido de vermelho e com a logomarca do partido de esquerda PCO. Isso é o que eu posso chamar de algo inusitado. Eu queria muito falar com ele. Era como se estivésse reconhecendo alguém de outro país, mas que, finalmente, falava a mesma língua.

Então, eu já estava muito perto dele para me afastar por causa de ideologias diferentes. Foi instintivo cumprimentá-lo, pegar em sua mão com força e parabenizá-lo por sua iniciativa. De repente, eu já estava conversando com ele e nem eu e nem ele mordíamos (rs). Eu lhe disse que estava feliz em ver que, apesar de sermos de lados políticos opostos, tínhamos esse assunto em comum pelo bem do desenvolvimento do Amapá. Em um momento da conversa, eu lhe disse inadvertidamente: "Agora, é ver se esse homem vai liberar" E ele, assustado, retrucou: "Que homem?". Numa fração de segundos, eu vi o broche dele escrito o nome LULA, e, numa criatividade que me salvou de perder a harmonia da conversa, eu lhe disse: "Esse cara do IBAMA". E ele respondeu: "Ah, sim". Ufa, essa foi por pouco (rs). Mas saímos dali sãos e salvos.Ele até pegou o microfone do nosso movimento e também deixou o seu recado.

Eu, que estava ali apenas para cobrir, acabei usando da palavra e tentei acordar aquelas humildes pessoas que estavam ainda na fila. Eram idosos, crianças de colo, pessoas tão sofridas que mesmo eu lhes dizendo que o petróleo era como se elas tivessem ganhando na loteria, que seus filhos poderiam ter um emprego, eu não conseguia lhes transmitir perspectiva alguma. Em suas mentes, parecia algo impossível de acontecer. Elas estavam mesmo era acostumadas com a falta d'água e com a mania de aplaudir e agradecer, exatamente, a quem lhes tira esse direito. Elas olham para seus algozes como se fossem heróis. E mesmo que eles zombem de suas mazelas e de sua ignorância, elas continuam encantadas por terem chegado perto do "seu presidente".

Há alguma chance de vencermos tamanha ignorância que foi produzida por uma educação, propositalmente, ausente ou insuficiente? Humanamente, eu não vejo nenhuma. Mas luto, ainda que sem esperança. Porém, com fé de que um milagre pode acontecer e Deus ainda pode dar vista aos cegos. 

Adriana Garcia

 Jornalista na Amazônia

CONTRIBUA QRCODE ADRIANA

prefeitura_macapa_2
prefeitura_macapa_1